“
O
modelo dos modelos ” Italo Calvino
Houve na
vida do senhor Palomar uma época em que sua regra era esta: primeiro, construir
um modelo na mente, o mais perfeito, lógico, geométrico possível; segundo,
verificar se tal modelo se adapta aos casos práticos observáveis na
experiência; terceiro, proceder às correções necessárias para que modelo e
realidade coincidam. [..] Mas se por um instante ele deixava de fixar a
harmoniosa figura geométrica desenhada no céu dos modelos ideais, saltava a
seus olhos uma paisagem humana em que a monstruosidade e os desastres não eram
de todo desaparecidos e as linhas do desenho surgiam deformadas e retorcidas.
[...] A regra do senhor Palomar foi aos poucos se modificando: agora já
desejava uma grande variedade de modelos, se possível transformáveis uns nos
outros segundo um procedimento combinatório, para encontrar aquele que se
adaptasse melhor a uma realidade que por sua vez fosse feita de tantas
realidades distintas, no tempo e no espaço. [...] Analisando assim as coisas, o
modelo dos modelos almejado por Palomar deverá servir para obter modelos
transparentes, diáfanos, sutis como teias de aranha; talvez até mesmo para
dissolver os modelos, ou até mesmo para dissolver-se a si próprio.
Neste
ponto só restava a Palomar apagar da mente os modelos e os modelos de modelos.
Completado também esse passo, eis que ele se depara face a face com a realidade
mal padronizável e não homogeneizável, formulando os seus “sins”, os seus
“nãos”, os seus “mas”. Para fazer isto, melhor é que a mente permaneça
desembaraçada, mobiliada apenas com a memória de fragmentos de experiências e
de princípios subentendidos e não demonstráveis. Não é uma linha de conduta da
qual possa extrair satisfações especiais, mas é a única que lhe parece
praticável.
O texto
de Calvino mostra de forma poética o processo de desconstrução necessário ao
pensar a educação inclusiva nas escolas regulares. Como professora de inglês trabalhando
há muitos anos em escolas públicas, muitas vezes tive alunos chamados “especiais”
ou “diferentes” nas turmas, mas nunca tinha esclarecimentos sobre suas condições
particulares, nem orientações a respeito do trabalho a ser desenvolvido com
eles. Tenha que partir da “tentativa e erro”, ou, infelizmente (e tenho muita
tristeza em admitir), deixar de atendê-los em suas necessidades educacionais. Calvino
nos propõe, a partir do pensamento reflexivo e aberto a mudanças, que se
procure observar a realidade e a partir dela refazer as regras e os modelos, ou
até mesmo dispensá-los, se a realidade assim o indicar.
O atendimento educacional especializado (AEE)
é um serviço da educação especial que identifica, elabora, e organiza recursos
pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem as barreiras para a plena
participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas (SEESP/MEC,
2008). Representa, portanto, a própria realidade dos alunos, vistos como indivíduos
e como tais devendo ser atendidos e entendidos. Ao “apagar da mente os
modelos e os modelos de modelos”, o professor de AEE procura observar em seu
aluno suas potencialidades e possibilidades, com a mente aberta e atenta não às
deficiências, não aos limites, mas às perspectivas de inclusão e autonomia.
